Nestas páginas, e na cidade onde vivem e trabalham, o Porto – onde hoje apresentam um sistema/instalação na Casa da Música –, partilhamos com os R2 uma nova etapa do seu percurso profissional. Eles mostram-nos como são um dos mais prolíficos e surpreendentes ateliers de design de comunicação portugueses da actualidade.
Lizá Ramalho e Artur Rebelo – os dois érres dos R2 – mudaram recentemente a morada do seu atelier, onde trabalham com três colaboradores, para a casa onde costumavam viver.
Moram agora noutra casa, uma rua abaixo mas dentro do mesmo bairro – o Bairro António Aroso, no Porto. Isto faz com que as perdas de tempo em deslocações diárias sejam nulas, e que o número de horas que passam a trabalhar ocupe a totalidade do seu dia. E não é para menos, pois o tempo urge: “Acabámos de desenhar um catálogo de arte para o Museu Serralves, e agora estamos a trabalhar num livro, num rótulo de vinho, e em identidades visuais para um fórum cultural, uma exposição e um gabinete de arquitectura, entre outras coisas…”
E é através destas, como das outras coisas, que todos os dias eles provam que a profissão de um designer de comunicação é mais do que o seu trabalho como tal. Não é preciso passar muito tempo com Artur e Lizá para se ser contagiado pela paixão que têm na sua profissão. É raro encontrar alguém tão em sintonia com o que faz, e que mostre isso no primeiro encontro: na forma como falam do seu universo – o universo do design de comunicação –, da sua história, do seu vocabulário, das pequenas e grandes coisas que o constroem, e das pessoas que lhe têm dado forma ao longo do tempo. É como se lhe pertencessem. E é esse sentimento de pertença, e ao mesmo tempo de permanente entusiasmo, que une as várias dimensões da sua carreira.
Na aldeia global do design
Tendo-se conhecido no curso de Design de Comunicação da Faculdade de Belas-Artes do Porto, Artur e Lizá começam a trabalhar juntos ainda como estudantes, e a assinar como R2 desde 1995. Mas a sua carreira e o crescente volume de trabalho nunca os afastaram da vida académica. Como muitos outros designers, já leccionaram em várias escolas, e embora hoje Artur se dedique ao atelier, Lizá é desde 2005 docente no curso de Design da ESEIG/Instituto Politécnico do Porto. Além de ensinar, não deixaram de aprender, e investigar: atravessaram juntos várias vezes a Península Ibérica para, na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Barcelona, frequentar o mestrado Recerca en Disseny, que concluíram defendendo teses de investigação sobre a imagem de identidade visual de instituições de arte contemporânea (Artur), e superfamílias tipográficas (Lizá). No futuro, a tese de doutoramento de Lizá, desenvolvida na mesma universidade e ainda em fase preparatória, visa analisar, discutir e reflectir sobre a organização da informação e os recursos gráficos. Esta conjugação entre a teoria e a prática do design é explicada de forma natural: “Sempre tivemos perante o design uma atitude de questionamento e investigação. O trabalho académico veio enquadrar essa atitude. Esta vertente obriga a estar permanentemente em contacto com a teoria, com as investigações dos outros, estar a par dos contextos teóricos e de como estes se materializam na prática do design.”
Este “contacto com os outros” tem sido uma procura constante ao longo do seu percurso profissional. Desde cedo que tanto eles como o seu trabalho participam em concursos, exposições, workshops e congressos por todo o mundo: “É fundamental partilharmos experiências e conhecimentos entre designers – internamente devíamos fazê-lo mais e talvez de modo mais organizado. Informalmente, discutimos muito com outros designers portugueses e estrangeiros sobre as problemáticas desta profissão e dos [nossos] projectos. Apercebermo-nos das diferenças culturais, o modo como os distintos contextos operam, como é a vida de um designer no Porto, em Lisboa, em Paris, em Nova Iorque, em Tóquio, em Beirute ou em Teerão…” E são cada vez mais os portugueses a pertencer à aldeia global do design: “A participação – em concursos, conferências e workshops – está a aumentar. De facto, temos encontrado cada vez mais estudantes portugueses no estrangeiro, e no último workshop que demos no Festival d’Affiches de Chaumont [um dos pontos altos do calendário do design gráfico europeu] encontrámos vários – um deles era um portuense que estava em Londres a estudar e que veio fazer o workshop a França.” Essa participação tem vindo, para Lizá e Artur, a dar frutos: através do reconhecimento do seu percurso profissional, têm sido solicitados para dar workshops, apresentar o seu trabalho em conferências ou participar em júris de concursos – representando nessas ocasiões, mesmo que de forma informal, o design gráfico português.
No ano passado, o júri da Bienal de Brno (a mais antiga exposição de design gráfico do mundo) atribuiu ao cartaz “I Love Távora” o seu prémio máximo. O Grand Prix de Brno distingue desde 1963 a excelência na arte do cartaz, e em 2006 elegeu este como o melhor dos 3000 – muitos deles de vários “pesos-pesados” do design gráfico – que foram submetidos a concurso. Este prémio, como outros já recebidos pelos R2, é especialmente recompensador por vir dos seus pares: “O reconhecimento é importante, vem de profissionais que foram as nossas referências desde que éramos estudantes e cujo trabalho admiramos. É bom receber o ‘feedback’ de designers, críticos e historiadores que estão por vezes do outro lado do mundo – nos EUA, no Irão, no Japão, em lugares culturalmente tão diferentes – e perceber como lhes toca o nosso trabalho. É enriquecedor esse olhar externo sobre os nossos projectos que nos chega sob as mais diversas formas.” E recentemente chegou-lhes a notícia de outra distinção: são a partir deste mês membros da Alliance Graphique Internationale, a mais prestigiada e restrita organização mundial do design gráfico, cuja admissão – vitalícia – é precedida de um intricado processo de nomeação e selecção, iniciado apenas por convite. Estão, a partir de agora, não só entre os mais jovens dos seus quase 400 membros, como são os primeiros portugueses a pertencer a este autodenominado “clube de elite” do design.
Da rua para a eternidade
Muito do louvor que os R2 têm obtido está ligado aos cartazes que têm criado para peças de teatro, exposições e outras manifestações culturais. Quando hoje essas manifestações são publicitadas através dos mais variados meios – dos jornais à televisão, da Internet à rua –, fazendo com que o cartaz seja muitas vezes uma mera declinação da sua “identidade visual”, que importância tem este objecto? “O cartaz tem um passado muito forte, foi utilizado ao longo de história (e ainda hoje o é) como veículo de mensagens políticas e sociais importantes. Foi e é um meio utilizado para envolver e informar. É uma sorte e uma oportunidade para um designer poder fazer um cartaz, mas também é um desafio enorme. Concentrar a mensagem numa só imagem, que deve emergir de forma clara do saturado contexto urbano e interpelar determinadas pessoas, sem que elas o procurem. Pertence à rua, relaciona-se com a cidade, é efémero mas pode ter uma vida bem mais longa – se for um bom cartaz continuará a ser visto por outros espectadores, noutros contextos. É um documento que marca um momento num percurso de uma instituição, mas também a história. Depois de cumprir a função de informar, se o projecto for inteligente pode suscitar ainda diversas leituras, estabelecer diálogos, fazer reflectir. É um dos materiais gráficos mais respeitados – se for bom é coleccionado, é algo de valioso, passa a integrar museus e colecções, pelas suas qualidades como objecto gráfico.”
Se um cartaz é antes de mais um meio de comunicação, e se um designer é por definição o profissional que lhe dá forma, os R2 têm provado como através do seu trabalho – e não só nos seus cartazes – influenciam e enriquecem o conteúdo que é veiculado para além do seu resultado formal. No cartaz “I Love Távora”, por exemplo, usam elementos da composição tipográfica manual (caracteres, acentos, asteriscos ou barras de espacejamento) para dar origem a uma imaginária planta de cidade. Fundindo dois vocabulários, o deles e o do cliente – a Ordem dos Arquitectos –, provocam ainda uma terceira leitura, que qualquer pessoa consegue fazer, e identificar-se. Talvez seja esta dimensão universal a causa do sucesso deste cartaz, que para eles se traduziu também na descoberta de um novo campo de trabalho: a arquitectura. Autores da identidade visual de várias iniciativas da área – das quais se destaca a Trienal de Arquitectura de Lisboa –, admitem a proximidade entre as duas profissões: “Sim, há algo especial na relação entre os arquitectos e os designers de comunicação, porque temos na formação e nas actividades profissionais bases comuns. Há uma linguagem que ambos utilizamos, mas que se desenvolve num saber próprio, de cada uma das disciplinas. Estes terrenos comuns, quando explorados, permitem colaborações interessantes. A arquitectura é uma área que nos interessa bastante e temos tido a oportunidade de trabalhar com arquitectos incríveis, para quem o design de comunicação é importante.”
As pessoas, sempre
Essas colaborações são particularmente proveitosas quando ocorrem entre profissionais que se identificam e se estimulam mutuamente: “Temos tido a possibilidade de trabalhar com pessoas que acreditaram nas nossas propostas. Ao longo dos anos constatámos que são as pessoas que lideram os projectos que permitem aos designers participar na construção dos mesmos, para que estes possam, com as suas competências, dar um maior contributo e fazer desenho de carácter estruturante.” E é esta relação entre cliente e designer que também eles consideram fundamental: “Valorizamos relações de cumplicidade com os clientes, por isso é que não acreditamos nas ‘consultas’ com apresentação de propostas. Mais do que as áreas, são os próprios projectos, a inteligência, a inovação, o quanto estes podem ser importantes para o desenvolvimento da sociedade. Existem muitas áreas e projectos aos quais gostaríamos de dar o nosso contributo como designers, projectos que nos façam pensar, criar e se possível divertir.” Um exemplo disso é o sistema de sinalética e gráficos de exposição que criaram para o Museu Berardo. O primeiro contacto dos visitantes com este sistema é um conjunto de indicações do que se pode e não pode fazer no museu, onde foi subvertida a previsível lista de proibições. Fruto de um intenso diálogo com a equipa do museu, pretende desafiar o que esperamos da sinalética de um edifício daquela natureza: “Foi-nos pedido para usar aquela parede para as proibições, mas para fazê-lo de forma positiva: daí o ‘fotografar sem flash!’ em vez de ‘proibido fotografar com flash’. Os balões ali sugerem uma conversa animada entre a multidão: é normal ver os visitantes juntarem-se à parede para tirarem fotografias.”
As pessoas foram também o ponto de partida para o sistema/instalação que a partir de hoje apresentam na Casa da Música – a sua resposta ao desafio para reinterpretar este icónico edifício do Porto. As pessoas que o visitam, nele circulam e o contemplam alimentaram ao longo de meses – através de observações feitas em visitas guiadas, respostas a questionários, gravações e registos fotográficos – as “partituras de dados” criadas por eles, que agora conduzem os novos visitantes ao longo de percursos alternativos das salas, corredores e escadarias da Casa. “Este projecto pretende questionar os trajectos usuais [do edifício] e propor outras possibilidades. Surgem novas formas de descobrir espaços, organizadas por ordem alfabética, de escala, de lotação ou outras… Trata-se de um projecto inacabado, onde se propõem percursos improváveis e por vezes absurdos.” Percursos que eles observam, organizam, enriquecem e devolvem a quem os quiser acompanhar. Um pouco como tudo o resto que partilham connosco.
A instalação dos R2 é inaugurada hoje, 23 de Novembro, às 20h30, na Escadaria Norte, e poderá ser vista até 23 de Dezembro, entre 10h-20h e durante concertos e performances
Porto Casa da Música. Av. da Boavista, 604-610, Porto. 220 120 220
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