A exposição “Remade in Portugal” poderá ser vista como mais uma das inócuas “iniciativas verdes”, se ficarmos apenas pelas aparências.
“Há profissões mais danosas do que o design industrial, mas são poucas”. Começando assim o seu livro “Design for the Real World”, Victor Papanek, o chamado “pai moderno do design responsável”, revela que ao criarem os objectos que entopem a paisagem, e ao escolherem materiais e processos que poluem o planeta, os designers são uma classe potencialmente perigosa para o planeta. Se Papanek foi, em 1969, pioneiro nas suas teorias sobre design, o homem e o ambiente, em 2007 chavões como reciclagem, energias renováveis e sustentabilidade estão em voga. Das campanhas políticas aos miúdos do Ecoponto, passando pelo marketing “ecológico” de empresas que não sabem distinguir o aquecimento global de uma lâmpada incandescente, “green is the new black” e ninguém parece querer perder esta onda – mesmo que nem sempre o perceba o que é.
A exposição “Remade in Portugal” poderá ser vista como mais uma dessas inócuas, mesmo que bem intencionadas, “iniciativas verdes”, se ficarmos apenas pelas aparências. Apresentando propostas de vários criadores de Portugal, Itália, Chile, Argentina e Brasil, esta exposição – um conceito do arquitecto italiano Marco Capellini – demonstra algum amadorismo na montagem e na escolha, quase acidental, dos objectos expostos. Soluções interessantes de materiais e produtos industriais fabricados a partir de resíduos partilham o espaço com excessiva tralha “crafty”, para não dizer escolar, feita a partir de coisas como cartão canelado e pele de zebra falsa, embalagens ou lonas publicitárias.
Na secção portuguesa da exposição (claramente a melhor) encontramos 15 propostas, desde malas de senhora a calçada acústica e candeeiros de mármore, de oito arquitectos e sete designers cuja média de idades ronda os 50 anos – o que faz pensar na selecção dos participantes ou em quem representa a vanguarda da sustentabilidade no design industrial em Portugal. Em vez de explorar a excêntrica e extemporânea “atitude eco design” que alguns destes objectos veiculam é preferível salientar a dimensão industrial sustentável de outros produtos expostos. O melhor exemplo é o mosaico de vidro da dupla de arquitectos Manuel Graça Dias e Egas José Vieira, obtido por fusão de escórias provenientes da incineração de resíduos sólidos urbanos. Negro e brilhante, este mosaico representa uma solução de revestimento arquitectónico produzida a partir de materiais 100 por cento reciclados. Resultado de uma colaboração empresas-universidades, usa de forma inovadora resíduos existentes e supre uma necessidade do mercado, sem contudo comunicar qualquer “ethos” ambiental.
Esse “ethos”, sobre o qual a própria exposição se constrói, deixou de fazer sentido: vivemos em plena “era sustentável” e já não na “onda verde” dos anos 1980 e 1990, dos activistas barbudos do Greenpeace. Ser sustentável hoje é também ser lucrativo; como tal, a indústria investirá em produtos com futuro, que garantam a própria sustentabilidade das empresas. Isso é cada vez mais fácil: os consumidores estão mais informados, as tecnologias mais evoluídas e os recursos, o ciclo de vida dos produtos e os resíduos mais bem controlados e legislados.
Agora quem tem algo a dizer são os próprios designers e arquitectos: deverão encarar a sustentabilidade não como curiosidade mas como obrigação ética, e os consumidores devem exigir essa ética nos produtos e serviços que consomem. Se os designers combatem o “adjectivo design”, devem também combater o adjectivo “amigo do ambiente”, pois ninguém quer ficar refém desse rótulo ou da falta dele. Queremos que tudo possa ter, em última análise, esse desígnio. Como outros produtos – o banco de Carrilho da Graça, a salamandra de Francisco Providência – demonstram, quanto menos tangível a presença da reutilização e reciclagem for na forma final de um produto mais interessante se torna. Quanto menos tiver “ar de reciclado”, e quanto mais “normal” for, melhor preparado ficará para sobreviver a própria “era sustentável”.
Esta exposição, apesar de algumas falsas pistas, mostra bons exemplos de como é possível tornar o design industrial numa profissão menos danosa. O peso institucional da Agência Portuguesa do Ambiente, co-organizadora da exposição, aliado à presença da indústria visível no apoio da Confederação da Indústria Portuguesa e nas parcerias entre designers/arquitectos e empresas, faz com que esta iniciativa possa vir a tornar-se um exemplo de boas práticas e da “maturidade sustentável” no design e indústria portugueses. A seguir à curta semana que esteve na Estufa Fria irá para Serralves e depois para centros comerciais noutras cidades. Esperemos que este seja apenas o começo.
Remade in Portugal
Lisboa. Estufa Fria. Parque Eduardo VII. De 28 de Setembro a 5 de Outubro. Tel. 213882278. Das 10h às 21h. Bilhetes a 1,5 euros até às 16h (entrada gratuita a partir das 16h) Porto. Casa de Serralves De 19 a 31 de Outubro. Tel. 226156593. Das 10h às 19h
(DUAS ESTRELAS)
Publicado originalmente no suplemento Ípsilon do jornal Público de 05.10.2007
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