É possível que já tenha visto, à porta de hotéis e pensões, restaurantes, cafés e bares, placas iguais ou parecidas às que vê na fotografia. São placas de classificação hoteleira, uma manifestação de design introduzida na paisagem portuguesa em 1971 (a de cima), que em 2000 (a de baixo) foi, como a legislação que a criou, actualizada e redesenhada. Actualmente, nem uma nem outra servem para nada.
Em plena Primavera Marcelista, Portugal assiste a um impressionante incremento na construção e modernização da sua infra-estrutura turística. É então que o Governo, através da Secretaria de Estado de Informação e Turismo (SEIT), procede a uma actualização e aplicação de normas reguladoras do sector, publicando em 1969 um decreto-lei que exprime a necessidade de “dotar o país de uma rede de estabelecimentos que, qualitativa e quantitativamente, esteja apta a satisfazer a procura cada vez maior quer de nacionais, quer de estrangeiros”.
Em 1970, estas normas são publicadas num regulamento que, além de listar, por exemplo, tudo o que deve ter um hotel de cinco estrelas, prevê “a afixação no exterior de uma placa normalizada com a classificação do estabelecimento”.
A partir do ano seguinte, 21 motivos então publicados em Diário do Governo começam a ser serigrafados em placas de acrílico branco, sobre fundos entre o verde-claro (pensões) e o amarelo (restaurantes), o rosa-velho (estabelecimentos de bebidas) e o azul-claro (hotéis, motéis e “salas de dança”, ou discotecas). As diferentes classificações – 3.ª, 2.ª, 1.ª, Luxo e Típico – estavam expressas, bem ao gosto gráfico da época, não por estrelas mas por asteriscos. Números e letras com serifas generosas e expressivas acompanhavam-se de elementos e símbolos relacionados com mesa e balcão (talheres, canecas de cerveja e copos de vinho, chávenas de chá e café) ou com “a noite” (a lua, colcheias).
Estas placas, únicas no mundo quer na lei quer na forma, foram criadas num dos maiores gabinetes de publicidade e design portugueses do século XX. Liderado pelo “artista comercial” Thomaz de Mello (Tom), o Estúdio Tom tinha como um dos seus principais clientes o Secretariado Nacional de Informação (SNI, mais tarde SEIT). Responsável pela propaganda política, informação pública, turismo e acção cultural, teve um papel fundamental na criação da imagem (ou de uma imagem) de Portugal no Estado Novo. Essa imagem, bem como a fascinante relação entre o Estado, o turismo, a cultura e o design português, só recentemente começaram a ser estudadas; ainda há muitas caixas do arquivo do SNI por abrir na Torre do Tombo.
Na altura, as placas de Tom foram recebidas com um misto de apreço e estranheza, como provam as reacções publicadas n”O Século Ilustrado em 1971. O gerente de um restaurante afirmava: “As placas elucidam os clientes da categoria do estabelecimento e acho o modelo bonito e bem feito.” Outro exclamava: “Uma inovação que nos custou 150 escudos, mas que não influencia em nada o turista ou cliente. Ainda não percebi porque é que a colher está no lado esquerdo da placa…”
Mesmo que não consensuais, foram sendo afixadas por todo o país até 1997, quando um decreto-lei deixou de sujeitar os estabelecimentos de restauração e bebidas a uma classificação além de Típico e Luxo.
Em 2000, uma portaria substitui-as por placas de acrílico transparente com símbolos em vinil amarelo e, quando aplicável, letras em Arial. Não descobrimos o seu autor, mas há talvez coisas que devam ficar anónimas: ao contrário das anteriores, estas placas são uma versão genérica, desinspirada e redutora da lei que lhes deu forma – são design praticado enquanto acto administrativo.
Em 2008, um novo decreto acaba por completo com a classificação estatal na restauração. Esta continua em vigor apenas para os empreendimentos turísticos, cujas placas mudaram pouco significativamente em 2010. Todas as outras, como as da fotografia, estão hoje legalmente obsoletas.
Apesar do baralhar e voltar a dar de quem decide e governa, as placas vão ficando. Resistem à chuva, ao sol e muitas vezes aos próprios negócios que outrora identificaram ou classificaram. As primeiras são uma espécie de palimpsestos urbanos, ricos em símbolos e cores, memórias de um tempo e de um modo. Muitas são guardadas e expostas, afectivamente, dentro das montras. As segundas, tristes imagens tecnocratas, são deixadas do lado de fora. Até um dia serem arrancadas e deitadas para o lixo.
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BI
Placas de identificação e classificação hoteleira
Design
1971: Thomaz de Mello
2000: Desconhecido
Cliente
Direcção-Geral do Turismo
Datas
1969: (Decreto-Lei 49 399) Classificação de estabelecimentos hoteleiros
1970: (Decreto 61/70) Regulamento da indústria hoteleira e similar
1971: (Portaria 200/71) Modelos de placas a afixar
2000: (Portaria 25/2000) Novos modelos de placas a afixar
2008: (Decreto Reg. 20/2008) Fim da classificação da restauração
+ info: www.turismodeportugal.pt
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