Redesenhar o Quotidiano

Como fazer uma lista de Natal “de design”, quando há poucas coisas no mundo, ou no sapatinho, que não envolvam esta actividade? Mais do que só acrescentar bens à nossa sociedade de consumo, as seguintes propostas mostram como os designers podem reinventar(-se) e redesenhar o nosso quotidiano.

Quando há dois anos viu que os seus projectos para empresas portuguesas e estrangeiras não iam para a frente, Gonçalo Prudêncio desenhou um banco pequeno e barato chamado Munge. E começou a produzi-lo numa carpintaria em Sintra, onde vive. Desde então, este designer-produtor já tratou pessoalmente do acabamento, distribuição e venda de mais de mil dos seus bancos, mas também de mesas, cadeiras e candeeiros em madeira, cortiça e mármore. Com eles valoriza uma manufactura local de baixo impacto ambiental e, ao anular intermediários entre produtor e cliente, obtém margens bem superiores às praticadas pela indústria convencional, que lhe permitem viver do que projecta sem prejuízo do preço final dos seus produtos.

Outro caso exemplar de como os designers interpretam e agem sobre um território é o projecto TASA (Técnicas Ancestrais, Soluções Actuais), no qual ao longo de um ano Álbio Nascimento e Kathi Stertzig trabalharam para activar uma rede de artesãos e outros agentes culturais, turísticos e académicos do Algarve. Um dos resultados do seu trabalho foi o Escantilhão de Platibandas, um brinquedo que traz o ornamento da arquitectura algarvia para as mãos e imaginação de qualquer criança.

Se eu receber uma Boox no Natal, colocarei lá dentro o livro do projecto TASA, aberto no plano com o mapa do Algarve em papel marmoreado desenhado pela dupla Joana & Mariana. Ou um dos pequenos volumes “anti-calhamaço de design” da Colecção D, tal como descritos pelo seu instigador, Jorge Silva. Afinal, esta é a ideia da caixa para livros criada por Pedro Albuquerque: mostrar que o design e a beleza destes objectos não se ficam pela capa.

Dantes, oferecer um tipo de letra implicava adquirir peças de metal, tinta e uma prensa. Agora basta um click para comprar, instalar e usar, no ecrã ou no papel, um tipo de letra (quase) só nosso. Tipos na net há muitos; que tal começar pelas famílias Merlo, Taca e Atlas?

O site Demo.cratica é uma plataforma open-source de extracção, análise e consulta de dados parlamentares, criada pelos designers Ricardo Lafuente e Ana Carvalho para abrir a discussão legislativa aos cidadãos. O seu nobre esforço merece, e não só na época natalícia, uma doação – em tempo, dedicação, ou dinheiro – de quem esteja disposto a contribuir para um bem maior.

 

Munge

Banco Munge Disponível com pernas de várias alturas e assentos em pinho, cortiça e, em breve, também em fibra de coco na versão desenvolvida no Rio de Janeiro pelo atelier de design carioca Fibra Design Sustentável. Onde comprar: G.pt (Página Facebook) A partir de 10€

Coleção D

Colecção D
Uma edição da Imprensa Nacional-Casa da Moeda iniciada em 2010 por Jorge Silva que já conta com seis monografias de designers portugueses. É a prenda ideal para qualquer adolescente que ainda não sabe que quer ser designer. Nas livrarias ou em incm.pt 16€

Taca

TIPO DE LETRA Taca Um tipo inspirado pelas televisões dos anos 1960, recentemente lançado por Ruben Dias. Onde comprar: fountaintype.com 89€ pela família (5 estilos)

Atlas Grotesk

TIPO DE LETRA Atlas Grotesk Um tipo versátil originalmente criado por Kai Bernau, Susana Carvalho e Christian Schwartz para uma seguradora alemã em 2012. Onde comprar: commercialtype.com 325€ pela família (12 estilos)

Escantilhão de Platibandas

Escantilhão de Platibandas Produzido pela Brinquedos da Torre, uma oficina de artesanato situada na antiga escola primária de uma aldeia do Barrocal Algarvio. Onde comprar: Feitoria, loja de artesanato português situada no aeroporto e centro de Faro, ou em feitoria.com.pt. 12€

Livro TASA

Livro TASA O Livro TASA reúne num volume de 302 páginas imagens, histórias e testemunhos de artesãos, designers e investigadores da cultura algarvia. Edição CCDR-Algarve. Onde comprar: CCDR-Algarve (encomendas em geral@ccdr-alg.pt). 6€ + portes de envio

Boox

Boox Um moldura para livros criada pelo designer de comunicação Pedro Albuquerque, composta por uma caixa de acrílico transparente e quatro molas bolas maleáveis, que mantêm um livro aberto sem o danificar. Onde comprar: #1 Brand Gallery (um projecto original do designer Ricardo Mealha no bairro de Santos, em Lisboa) e online em boox.me A partir de 50€

Demo.Cratica

Demo.Cratica Um repositório de informação sobre a Assembleia da República Portuguesa criado pela Manufactura Independente, um estúdio de investigação de metodologias livres no design composto por Ana Carvalho e Ricardo Lafuente. Para consultar e contribuir: demo.cratica.org

Para a edição da Revista 2, a revista de domingo do Público, as editoras Paula Barreiros e Francisca Gorjão Henriques convidaram-me a pensar numa lista de Natal sob o conceito desta edição: a reinvenção. Foi um desafio pensar em projectos iniciados por designers portugueses (e não só) que estão não apenas a adicionar novos bens de consumo “ao sapatinho”, mas a repensar a forma como nos relacionamos com o mundo material, visual e, também, com a cidadania. Uma das legendas tem uma gralha: a Boox tem bolas, não molas dentro.

Foi ainda uma honra poder partilhar as páginas com outros fazedores de listas como Miguel Pires, Inês Pedrosa, Celso Martinho, Tiago Salazar, David Ferreira e João Salavisa. E, mesmo no fim da revista, com o Natal reinventado pelo Miguel Esteves Cardoso.

Comments are closed.