O Brasil vive hoje um dos mais inspiradores momentos da sua história. Uma economia estável e pujante (que pouco sofreu com a recente crise), grandes mudanças sociais (mais de 35 milhões de pessoas saíram da pobreza nos últimos 40 anos, dando origem a uma grande classe de consumo de classe média/média-baixa) e uma crescente influência cultural no nosso mundo globalizado (da música à literatura, do cinema às artes visuais) estão a transformar esta grande nação numa superpotência do século XXI.
Por tudo isto e muito mais o Brasil é cada vez mais uma inspiração também na área do design. Do calçadão de Copacabana desenhado por Burle-Marx às Havaianas, dos jactos da Embraer às extraordinárias criações dos irmãos Campana ou do estilista Ronaldo Fraga, “todo o mundo” começa a ver, e a procurar, os sinais da criatividade, do engenho e da crescente sofisticação dos designers brasileiro.
São Paulo, a maior cidade do continente americano e do todo o hemisfério Sul, é também o centro económico e criativo do Brasil. Entre os mais de 18 milhões de habitantes desta metrópole global contam-se um vasto número de designers, que encontram no passado, presente e futuro a inspiração para o seu trabalho.
Parte de uma exploração mais vasta dentro do design criado e produzido no Brasil, escolhemos cinco designers paulistanos (se não de nascença, pelo menos de adopção) cujas actividade e carreira merecem um destaque deste lado do Atlântico.
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Hoje com idades entre os 29 e os 32 anos, Leonardo Massarelli, Flávio Barão, Cândido Azeredo e Márcio Gianneli fundaram a Nódesign em 2001 e desde então não têm parado de acumular trabalho, clientes e distinções. O seu processo criativo assente na observação etnográfica faz com que, sempre que são desafiados a pensar num novo produto, eles não fiquem fechados no seu atelier na Vila Madalena. Saem para a rua e entram nas casas de pessoas, fazem perguntas e observam como é que elas usam os objectos – muitas vezes de formas inesperadas, mesmo presumivelmente incorrectas. Quando desenham novos produtos, inspiram-se nessas descobertas para, não prescindindo do humor, encontrar soluções de design industrial que vão de encontro às verdadeiras necessidades dos seus utilizadores.
Dois exemplos disso são os cabides Quará e Zig-Zag, resultados de um pedido de um pequeno fabricante de molas e de uma pesquisa em torno dos espaços dedicados à lavagem e secagem de roupa. No caso de Quará, perceberam que uma peça de roupa esticada na corda e presa por duas molas ocupa muito mais espaço que se for pendurada num cabide. E como o espaço é sempre pouco nas casas brasileiras (além de que vários cabides pendurados numa corda se acumulam ao centro) juntaram a mola ao cabide, criando um verdadeiro “ovo de Colombo” de produção massificada e de baixo custo, acessível a milhões de brasileiros. Por poder ser inserido pelo colarinho, o cabide Zig-Zag facilita a árdua tarefa de pendurar camisas – daí dizerem que se destina sobretudo aos homens…
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Tendo estudado arquitectura em São Paulo e design em Londres, Flávia Pagotti Silva sabe bem como divergem as abordagens ao design de um arquitecto e de um designer. Tanto assim que pensa estudar essa diferença num futuro doutoramento no Instituto Europeo di Design de São Paulo, onde dá aulas. Mas por estes dias Flávia não tem tempo para o estudo.
É aos seus objectos e pequenas peças de mobiliário como o candeeiro em Corian® São Luís (inspirado nos azulejos portugueses de São Luís do Maranhão), ou a cadeira Rendeira (na qual uma faixa de renda do Ceará é prensada entre placas de acrílico), que Flávia tem dedicado a maior parte dos seus dias. Ao acumular as profissões de designer e empresária, coordena ela própria a criação, produção, distribuição e comercialização destes produtos. Um deles, o banco Bate-Papo, fez recentemente parte de uma mostra de design brasileiro na loja do MoMA de Nova Iorque, ao lado das cadeiras Paulistano de Paulo Mendes da Rocha e Vermelha dos irmãos Campana ou da poltrona Cadê dos ,Ovo.
Flávia está também a trabalhar em linhas de mobiliário com indústrias do sul do Brasil, assim como a participar em iniciativas de carácter social, como é o caso do projecto Cabanos liderado pelo designer carioca Carlos Alcantarino. Tendo juntado designers do Rio de Janeiro e São Paulo com artesãos de Belém do Pará, este projecto tem recebido várias distinções pelos seus objectivos e resultados.
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Basta entrar no atelier/galeria/showroom de Luciana Martins e Gerson Oliveira, na Vila Olímpia, para compreender como o seu trabalho é – como Gerson diz ter sido uma vez descrito – “tão brasileiro quanto internacional”. Serão talvez os nomes que dão às suas peças de mobiliário, como as poltronas Cadê ou Copo d’Água e o sofá Vice-versa. Talvez seja o uso da cor – nem muito sóbrio, nem muito “tropical”. Ou quem sabe os engenhosos e sofisticados encaixes dos elementos da estante Clack, ou o detalhe divertido das cadeiras Tiras – as que se completam sem o dizer.
Gerson e Luciana não trabalham para a indústria, mas com a indústria. Em vez de assinarem os habituais contratos baseados em royalties com fabricantes de mobiliário, preferem ter com estes uma relação de colaboradores/fornecedores, salvaguardando o controlo de todo o processo e também da sua marca ,Ovo (lê-se vírgula ovo).
E os ,Ovo, que assumem encontrar muitas das suas referências na arte contemporânea brasileira, não assinam apenas trabalho comercial: um exemplo disso é a peça que criaram em 2005 para a galeria/corredor do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, a primeira obra realizada por designers para este espaço, voltou a ser mostrada em Amsterdão na exposição Come to my Place da ExperimentaDesign 2008, e este Inverno (brasileiro) na exposição Jardim de Infância, uma revisita à colecção do MAM comissariada por Fernando e Humberto Campana. É no traçar dessa fina linha – entre a arte e a indústria, o comércio e a cultura, o brasileiro e o internacional – que os ,Ovo mostram o seu talento e personalidade.
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Nasceu em 1975 no estado de São Paulo mas é baiano de ascendência. É brasileiro, mas viveu grande parte da sua vida no estrangeiro. Não é formado em design nem em arte. É autodidacta. A Contrasts Gallery de Shanghai representa-o, junto com outros jovens talentos do design autoral de todo o mundo, sob a categoria de “artista funcional”. Rodrigo não tem respostas para problemas nem aponta soluções. Não quer sequer criar metáforas. Ele não trabalha para um cliente, nem sequer para o povo brasileiro. Não o fascina a produção industrial. Faz apenas o que lhe interessa. E interessa-lhe explorar temas, ideias do que pode ser um (o seu?) imaginário material e visual brasileiro: de Lina Bo Bardi à gravura de cordel pernambucana, da arapuca (armadilha indígena para aves e pequenos mamíferos) às lantejoulas do Carnaval – explodidas a uma escala surreal em mesas e bancos que, mesmo sendo estranhos na forma, são familiares na função. Na sua marcenaria no bairro operário da Mooca, onde trabalha desde há poucos meses, Rodrigo faz coisas tão extraordinárias como mesas-paisagem de pedaços angulosos de madeira, relógios LED ou pele de crocodilo, cadeiras em cordas náuticas ou cartão prensado, candeeiros com ténis ou armários com caixotes de lixo e mochilas. Tem apenas (até agora) uma peça produzida em série, uma cadeira de aço e cintos em pele, editada pela empresa gaúcha Habitart (a mesma da cadeira Favela dos Campana). Rodrigo Almeida não é o que parece, e o que faz é o que não parece. Ou vice-versa.
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Marcelo Rosenbaum é um fenómeno. É impossível andar com ele na rua, em qualquer parte do Brasil, sem que sejamos parados por alguém que lhe pede um autógrafo ou uma fotografia. Ele não é um designer famoso, é um famoso designer. Virá esta fama por Marcelo ter criado os interiores de lojas como a marca de sapatos Melissa, ou para estilistas como Fause Haten? Ou pelo restaurante Dalva & Dito dos chefs-estrela Alex Atala e Alain Poletto, em que misturou referências como os azulejos de Athos Bulcão, o mosaico hidráulico, artefactos de arte popular ou paredes em adobe? Será porventura pelas linhas de cerâmica – com nomes como Maracatu, Iemanjá ou Carroceria de Caminhão – para a Oxford? Ou os móveis para a Tok&Stok, uma espécie de Ikea brasileira e o maior revendedor de mobiliário do país? Ou ainda as novíssimas toalhas de plástico do seu estúdio com marca própria, Rosenbaum de Coração? Ou o seu programa de rádio com o mesmo nome?
Até pode ser por tudo isto, mas o que faz as pessoas pararem Marcelo na rua é o facto de milhões de brasileiro verem o seu programa, “Lar Doce Lar”, que é emitido aos Sábados como parte do popular “Caldeirão Do Huck”. O designer-estrela Rosenbaum muda a vida de famílias inteiras nos locais mais pobres do Brasil através da redecoração (ou mesmo reconstrução) das suas casas, onde emprega uma preocupação exemplar com custo de materiais, assim como em encontrar soluções duradouras e ambientalmente sustentáveis. Marcelo é único na forma como usa as noções de brasilidade, auto-estima, cultura popular, memória e inclusão, fundindo tudo numa linguagem visualmente rica e pop, que atravessa classes sociais e ilustra bem este novo Brasil que tanto nos inspira.
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Antes de partir para a minha viagem de pesquisa ao Brasil durante os meses de Julho e Agosto de 2009, propus à editora da revista Estilo e Design, Áurea Sampaio, uma “matéria” sobre designers de São Paulo que fosse além dos irmãos Campana. Ela gostou da ideia, assim como os directores de arte Vasco Ferreira e Jonas Reker. O artigo foi publicado na edição de Outubro de 2009.
As fotografias dos designers foram tiradas por mim em São Paulo e Bento Gonçalves (Marcelo Rosenbaum). Obrigado a todos pela vossa disponibilidade e generosidade!
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