Essenciais e acessórios

Antonio Berardi fez uma chávena de café, Sam Hecht fez cinco pratos de cerâmica

 

 

Nem só de cadeiras, candeeiros e cartazes é feito o que entendemos como design. Três acessórios para electrodomésticos revelam, no Design Museum de Londres, outras dimensões do termo. Há vida para além da linha branca

Todas as nossas casas precisam de electrodomésticos. Básicos ou sofisticados, baratos ou caros, com mais ou menos funções (e botões), à vista ou encastrados, eles fazem parte das nossas vidas e dão forma ao nosso mundo doméstico.
Mas mesmo assim não esperamos encontrar em exposição num museu coisas tão prosaicas como um forno, um frigorífico ou uma máquina de lavar – excepto quando o museu em causa é dedicado ao design.
Há uns dias, 140 jornalistas de 17 países europeus estiveram no Museu de Design de Londres para assistir ao lançamento de uma colecção especial não só de electrodomésticos, mas sobretudo de objectos que funcionam como acessórios, ou extensões, desses objectos.
Com o tema Celebrate Design, a Whirpool Europa lançou agora a sua nova Whirpool Design Collection, uma colaboração criativa entre a marca e três designers muito diferentes: Sam Hecht, Rita Konig e Antonio Berardi. A empresa associou a cada designer um dos seus novos electrodomésticos, e pediu-lhes que criassem um acessório exclusivo e de edição limitada que os complementassem, reflectindo os novos elementos tecnológicos, muitos deles intangíveis, destes aparelhos, e mostrando também o espírito de inovação da marca.
Sam Hecht é conhecido pela austeridade, muitas vezes discretamente perversa, que atribui aos objectos e produtos que projecta, parte do que chama “topografia doméstica”. Um dos mais consistentes designers de produto da sua geração, Hecht trabalhou “a solo” e com Kim Colin — sob o nome Industrial Facility – para clientes como a Muji, Panasonic, Established & Sons e Droog.
Para esta colecção, Sam Hecht desenhou uma família de cinco pratos em cerâmica, encaixáveis “horizontalmente” —dentro de um cabem os outros quatro — e que vão ao forno 6º Sentido e são lavados pelos jactos de água da máquina “PowerClean”. Para Hecht, esta família, tal como os electrodomésticos que complementa, deve ser uma simples resposta a uma expectativa, a uma promessa feita pela marca que todo o consumidor deseja ver cumprida.

Rita Konig fez uma capa para máquina e uma bolsa de roupa. Foto: Whirlpool

A designer de interiores britânica Rita Konig, frequentemente apelidada de “guru” da vida doméstica e autora de vários livros e colaboradora de revistas de moda e decoração como a Vogue e a Harper’s Bazaar, é conhecida por incutir um sentido de estilo à mais aborrecida e mundana tarefa doméstica.
O seu contributo para a colecção traduz-se em dois complementos da máquina de lavar a roupa AquaSteam: uma “frente” decorativa em vinil magnético para a máquina, e um saco para roupa suja em cetim. Declarando “amar vapor”, Konig responde ao uso de vapor desta máquina no ciclo de lavagem com dois objectos que transmitem a delicadeza, leveza e feminilidade possíveis no acto de lavar a roupa.
Antonio Berardi é um designer de moda britânico de origem italiana que, tendo já colaborado com a Whirlpool, acrescentou o seu próprio estilo a uma chávena e pires para café expresso para o combinado Side-by-Side Espresso da Whirlpool, um frigorífico com uma máquina de café integrada numa das duas portas. Berardi responde com este objecto – cujo elemento mais marcante é a sua pega dupla – à postura do consumidor quando escolhe um electrodoméstico, que cada vez se assemelha com aquela de quem compra uma peça de roupa. Para ele, queremos algo com o qual nos identifiquemos, que nos diga alguma coisa, que “fique bem com a nossa personalidade”.
Todos este objectos estarão apenas à venda no site da Whirpool Europa a partir do Outono de 2007 e por um período limitado. Estarão também apenas disponíveis na Europa, apesar da Whirpool Corporation ser de origem americana; este gigante industrial é o maior fabricante mundial de electrodomésticos, e vende os seus produtos em todo o mundo através de mais de dez marcas.
No fim de tudo, todo este exercício pode parecer um pouco… acessório, ou mesmo frívolo, uma simples manobra de marketing.
No entanto, e mesmo que isso seja possível e legítimo, estes acessórios têm uma qualidade em comum que vale a pena destacar: tornam tangíveis as propriedades tecnológicas inovadoras de cada electrodoméstico, e conseguem atribuir um rosto, uma assinatura, e mesmo uma história a cada um deles. E isso talvez faça toda a diferença.
Num mundo em que cada vez menos corporações nos vendem cada vez mais produtos, alguma coisa terá de nos fazer escolher sair da “linha branca”, onde certamente não queremos viver – por  muitos botões e luzinhas que tenha.

 

[c a i x a]
A casa de todo o design, também em Lisboa?
O Design Museum de Londres celebra em 2007 os 25 anos da sua fundação, como “Boilerhouse Project” do Victoria & Albert Museum. Fundado por Sir Terence Conran e Stephen Bayley em 1982 na cave do museu londrino dedicado às artes decorativas e aplicadas, quis nessa altura afirmar o design como parte integrante da cultura contemporânea. Rapidamente cresceu para além do seu sítio original, e mudou-se para o actual edifício em 1989. Para 2012 está planeada a sua terceira mudança, para um novo edifício junto à Tate Modern. 25 anos depois, o Design Museum passou de uma colecção privada mostrada na cave de um museu para uma importante e visível instituição pública dedicada à promoção da história, da reflexão e do impacto do design nas nossas vidas. Estes 25 anos são comemorados principalmente com a exposição 25/25, para a qual 25 pessoas – que de acordo com Libby Sellers, a comissária da exposição, “ajudaram a dar forma tanto ao nosso ambiente material como à nossa compreensão e apreciação do design” – escolheram outras tantas peças da colecção do museu (e não só) criadas durante o último quarto de século. Para além desta exposição, acabou de inaugurar outra dedicada ao designer gráfico e activista britânico Jonathan Barnbrook, e está em montagem o que será o “blockbuster” do ano — a primeira exposição dedicada ao trabalho de Zaha Hadid a ter lugar no Reino Unido, que inaugura esta semana. O que é um dos mais importantes e activos museus do design do mundo promove, para além de exposições temporárias, um extenso programa de conferências, debates, prémios, residências e outras actividades. Tem ainda o mais extensivo serviço educativo de qualquer museu do Reino Unido, e exerce a sua influência para além do edifício do museu, desde o trabalho com crianças em escolas ao mestrado “Curating Contemporary Design”. Conhecido pelo seu entendimento abrangente e multidisciplinar do que chamamos de design – e pela sua conturbada história de fundadores e directores – este museu é uma inspiração para qualquer indivíduo, colectivo ou instituição ligados a todas as dimensões deste universo. Aguardamos, em Lisboa, que o MUDE – Museu do Design e da Moda / Colecção Francisco Capelo – saia da sua actual condição de stand-by, e venha a ter uma missão e influências semelhantes para a cidade e para o país. Esperamos que a sua direcção, mas acima de tudo que o(s) futuro(s) executivo(s) camarário(s) de quem depende este futuro museu municipal, possam ver – digamos mesmo possam ter a visão – no que uma colecção privada se pode tornar 25 anos depois.

Publicado originalmente no suplemento P2 do jornal Público de 03.07.2007


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