As Leis da Atracção

Equipa Yron: Da esquerda para a direita: Cátia Pita, Carla Fonseca, Carlos Garcia e Sílvia Escórcio. Foto: Yron

Equipa Yron: Da esquerda para a direita: Cátia Pita, Carla Fonseca, Carlos Garcia e Sílvia Escórcio. Foto: Yron

Abriu na semana passada em Lisboa um novo pólo do design. De fora, na Rua de São Bento, parece apenas uma galeria. Mas as suas ambições são bem maiores.

“O que é preciso é pôr isto a mexer”, diz Sílvia Escórcio, uma das responsáveis pelo espaço Yron, na noite da inauguração. “Isto” pode ser entendido, em termos gerais, como a chamada “comunidade criativa” de Lisboa, a quem este projecto – um misto de galeria, colectivo profissional e agitador cultural – se dirige e desafia. Pode parecer uma galeria de arte do exterior, mas Carlos Garcia, outro dos quatro sócios, mostra que esse não é o objectivo, mesmo quando as fronteiras provam ser, muitas vezes, permeáveis: “[O Yron pretende] ocupar uma área, explorar um território que se encontra entre a arte e a comunicação. Sendo que a comunicação é a base do processo artístico, estas disciplinas estão intrinsecamente ligadas. O que acontece quando o artista desenvolve uma peça de comunicação? Ou o publicitário desenvolve uma peça de desejo?”

Outro tipo de arte
O campo de trabalho do Yron são primordialmente as artes aplicadas, as disciplinas artísticas ligadas ao comércio e à indústria e os seus autores que, ao contrário dos artistas plásticos, raramente “assinam” o trabalho, que faz parte do nosso dia-a-dia. Como explica Cátia Pita, a arquitecta do grupo: “Queremos integrar o Yron num contexto urbano/cultural, arrancando do anonimato a forma como diariamente construímos as nossas vidas”. Aqui, os trabalhos em exposição são propostos pelos seus criadores, que os concretizam fazendo uso de múltiplos meios e plataformas como a imagem – impressa, em ecrã ou projectada – e objectos ou produtos tridimensionais. Respondendo a desafios da equipa Yron, de um comissário externo, ou de acordo com as suas próprias necessidades de auto-expressão, todos os projectos desenvolvidos e apresentados partem da mesma premissa: Yron é um espaço de afirmação de autoria. A partir daqui, tudo é possível, como explica Sílvia Escórcio: “A nossa diferenciação reside neste princípio de fusão, sem rótulos de galeria, agência, nacionalidade ou exclusividade. O processo de fusão é o que nos interessa, e expor o seu resultado é a principal contribuição que o Yron quer dar à ‘cena criativa’ lisboeta.”

“Comunicação magnética”
Em 2006, a fundadora do conceito Yron, Carla Fonseca, criou a marca, Yman, dedicada à gestão de projectos de comunicação e de talentos criativos. Se Yron é ferro (iron, em inglês), Yman (íman, em português) é quem o atrai: “A Yman atrai criativos e projectos, constituindo para cada trabalho uma nova equipa e promovendo uma renovação criativa constante. É também um grande desafio de reinvenção pessoal e profissional. Isto é, [promove e gere] projectos de comunicação com base na atracção e junção de criativos de diferentes disciplinas de comunicação, contrariando a saturação criativa (sempre a mesma equipa a trabalhar o mesmo projecto…) e adequando a expressão dos criativos aos objectivos específicos de cada projecto/parceiro.” Com a sua experiência na área da publicidade e do marketing, e através do trabalho realizado com esses criativos para empresas e marcas, sentiu a necessidade de criar uma estrutura em que os indivíduos das chamadas “disciplinas projectuais” – como o design, a fotografia, a joalharia, a ilustração, a arquitectura – pudessem expressar o seu talento sem os constrangimentos habituais da relação profissional-cliente.

Rua de São Bento, 170
Carla juntou-se a Carlos Garcia (marido e fotógrafo), Sílvia Escórcio (publicitária e colega de faculdade) e Cátia Pita (arquitecta e amiga de Sílvia) e juntos pensaram no que poderia ser essa estrutura, num espaço que a pudesse albergar. As ideias foram sendo discutidas, apontadas e, com a abertura das candidaturas ao programa “Lx – ReHabitar o Centro”, tornadas em algo concreto. Deste programa da Câmara Municipal de Lisboa, criado para a promoção de arrendamento jovem nas áreas históricas da capital, constava a loja da rua de São Bento, um de três espaços comerciais a concurso. Para a atribuição do mesmo, os proponentes teriam de apresentar uma detalhada e extensa proposta de intenções para o espaço, a ser usado para fins culturais, mas sem descurar uma componente comercial – a apresentação de um plano de negócios era obrigatória. Proposta aceite, candidatura ganha, obras feitas e espaço aberto, Yron é hoje um bom exemplo de dinamização de espaços expectantes do centro da cidade – muitos dos quais propriedade do próprio município, como este que esteve fechado durante cinco anos – por iniciativas profissionais de valor cultural.

 

Inauguração "À Zero Com Vista para o Tejo" - projecto de Jorge Silva. Foto: Fernando Mendes
Inauguração “À Zero Com Vista para o Tejo” – projecto de Jorge Silva. Foto: Fernando Mendes

Ano 1
O calendário Yron prevê oito a dez mostras para o seu primeiro ano, desde exposições de banda desenhada a projectos e parcerias com marcas, passando por colaborações com universidades e outras instituições de ensino de forma a promover o trabalho dos seus alunos finalistas. E o grupo abre também a possibilidade de trabalhar com criadores estrangeiros, estabelecendo-se como um nó da rede global deste tipo de galerias e estruturas. Como prova a sua exposição inaugural “Á-Zero com vista para o Tejo”, há espaço tanto para “jovens talentos” como para “nomes estabelecidos”. Para esta exposição, foram desafiados seis designers e directores de arte séniores a convidar igual número de júniores, para, partilhando dois planos A1 – que perfazem um plano A0 (841x1198mm) – nos darem as suas vistas do Tejo. Das lágrimas de Jorge Silva aos minutos passados no elevador da Bica por Jorge Coelho, dos reflexos de Ricardo Mealha e Pedro Duarte à manifesta “falta de vista” de Luís Royal e Miguel Melo, os 12 olhares sobre o rio revelam outros tantos manifestos pessoais, mais ou menos auto-complacentes. Todos estão também para venda, com preços entre os 1600 e 2000 euros, como tudo o resto exposto no Yron (como os bonecos de Jucapinga ou as malas de Jenny e Green), agora e no futuro. Esta é – não nos esqueçamos – uma estrutura profissional com base comercial; não é uma associação sem fins lucrativos, nem uma instituição cultural no sentido mais convencional do termo. É um espaço difícil de caracterizar, mas isso pode ser a sua mais-valia, pois a própria matéria com a qual trabalha – a criatividade – é ela própria difícil de categorizar.

Vistas largas
Seja o que for agora, e mesmo o que possa ser no futuro, Lisboa precisa de colectivos e estruturas que se dediquem ao estímulo e à promoção da chamada “classe criativa”, cada vez mais vista como um dos motores de desenvolvimento económico, social e urbano de qualquer sociedade. E que na capital portuguesa não tem tido a vida facilitada nos últimos tempos: com o MUDE (Museu do Design e da Moda – Colecção Francisco Capelo) ainda sem data de abertura, a ExperimentaDesign – Bienal de Lisboa suspensa, o Santos Design District ainda por encontrar a sua função e objectivos, e mesmo com a mudança da Moda Lisboa para o Estoril, as perspectivas de promoção e valorização dos profissionais criativos da capital são hoje tudo menos animadoras, pelo menos no que diz respeito às instituições e organizações criadas para esse fim. Daí Yron ser uma boa notícia para todas as partes envolvidas: representa no final de contas uma positiva afirmação da chamada “sociedade civil” – termo tão caro à Assembleia da República, sua vizinha da frente –, do seu empreendorismo, profissionalismo e abertura à comunidade. Sílvia Escórcio fala por todos: “Hoje somos um pólo, daqui a um ano quero ver o Yron como o pólo de referência criativa. Ambicioso, é certo, mas acredito que a motivação que nos uniu aos quatro terá um efeito contagiante e contagiar será o maior desafio no primeiro ano. A nossa capacidade de envolver, desafiar, produzir e magnetizar este espaço, que não é mais do que isso, um espaço. Por isso, quero vê-lo habitado, invadido, questionado, desconstruído pelas pessoas, essas, sim, o património referencial e de referência do Yron.”

www.yron.pt

Publicado originalmente no suplemento Ípsilon do jornal Público de 30.11.2007